VocĂȘ conhece o peso do infinito. Isso Ă© o que vocĂȘ nĂŁo diz quando eles te perguntam quem Ă© vocĂȘ. Sua resposta consiste em palavras desconexas que fazem pouco sentido na sua mente barulhenta - algo sobre ainda estar tentando descobrir, sobre renovar a si mesma todos os dias. VocĂȘ vĂȘ os sorrisos sarcĂĄsticos nos rostos desses homens finitos que jamais vĂŁo conseguir carregar universos sobre os ombros. NĂŁo Ă© preciso refletir muito para imaginar o que se passa pelas suas mentes - o que eles veem Ă© aquilo em que acreditam. E eles enxergam apenas uma garota. SĂł isso. Tudo isso.
Seu cabelo bagunçado bate contra suas costas a cada passo que vocĂȘ dĂĄ em direção ao topo dessa montanha. Eles enxergam o cabelo, mas nĂŁo conseguem ver o caminho que vocĂȘ percorreu. NĂŁo tĂȘm ideia do caminho que ainda vai percorrer. NĂŁo tĂȘm noção da altura em que vocĂȘ vai chegar. Eles veem o cabelo cheio de nĂłs e as olheiras de quem nĂŁo consegue dormir. Eles trocam olhares que dizem claramente o quanto eles acreditam em vocĂȘ - nada. Mas Ă© entretenimento, e por isso eles te permitem continuar a distraĂ-los. Puxe o ar. Solte-o lentamente. Eles nĂŁo enxergam o topo. Eles acham que o topo Ă© onde estĂŁo, mas vocĂȘ sabe a verdade. VocĂȘ sabe que ainda existe muito chĂŁo para desvendar.
VocĂȘ deixa que eles admirem a cor do seu batom rosa shock. Deixa que eles achem esse mais um capricho de uma menina que nĂŁo tem ideia do que quer. Deixa que eles imaginem todas as coisas que sua boca deveria fazer - enquanto isso, vocĂȘ fala. VocĂȘ fala atĂ© sua garganta ficar seca e permite que outras pessoas te ouçam. VocĂȘ ignora a falta de interesse deles, mas se permite acreditar que existe alguĂ©m por trĂĄs dessas paredes, alguĂ©m que entende o que vocĂȘ estĂĄ tentando dizer. VocĂȘ se permite acreditar que hĂĄ mais do que olhos nebulosos e sorrisos maliciosos. Feche os olhos. Crie um novo mundo. Crie um novo infinito.
Suas mĂŁos se abrem sobre a mesa, e vocĂȘ nĂŁo consegue deixar de reparar que sĂŁo as menores desse lugar. Ă difĂcil lembrar que existe algo alĂ©m dessas portas fechadas, mas vocĂȘ tenta. VocĂȘ vĂȘ dedos longos e grossos tentando agarrar sua garganta atĂ© que ar seja um conceito desconhecido para seus pulmĂ”es. VocĂȘ vĂȘ essas mĂŁos puxando seu cabelo e tapando sua boca. VocĂȘ vĂȘ essas mĂŁos cegando seus olhos. Cada respiração parece mais rasa do que a anterior. O pĂąnico nĂŁo pode tomar conta de vocĂȘ. Se vocĂȘ permitir, eles ganham. Se vocĂȘ se deixar tremer e resvalar, o solo vai fugir dos seus pĂ©s e nĂŁo hĂĄ ninguĂ©m para salvĂĄ-la. VocĂȘ olha para suas mĂŁos pequenas com as unhas da cor do cĂ©u noturno. Elas tĂȘm força. De novo e de novo e de novo, vocĂȘ lembra a si mesma de que elas tambĂ©m tĂȘm força suficiente para sufocar qualquer um que tente derrubĂĄ-la. Ă esse pensamento que te acalma.
VocĂȘ consegue sentir. Mesmo agora, quando estĂĄ apenas lutando para respirar, vocĂȘ consegue sentir o peso de milhares de universos e possibilidades se ajeitando sobre suas costas. VocĂȘ acha que deveria doer - mas, surpreendentemente, Ă© o peso mais leve que vocĂȘ jĂĄ foi obrigada a carregar. O peso nĂŁo arde nem arranha sua pele nem tranca sua circulação. Todos esses infinitos se multiplicando sĂŁo o seu segredo. SĂŁo eles que fazem vocĂȘ sorrir ao escutĂĄ-los fazerem piadas Ă suas custas. SĂŁo eles que fazem seus olhos brilharem quando o som de risadas tenta destruir os mundos da sua mente. SĂŁo eles que te ajudam a lutar de volta toda vez que alguĂ©m pergunta quem vocĂȘ Ă©.
Eles nĂŁo estarĂŁo mais perguntando. Seus olhos irĂŁo se expandir quando perceberem seu erro. SerĂĄ tarde demais. Todos no chĂŁo. Todos implorando por piedade. Suas vozes fracas sussurrando a mesma pergunta: o que Ă© vocĂȘ?
VocĂȘ Ă© o infinito.
- Ana Furlanetto